A
Douta Imaginação e A Louca Imaginação
G. K. Chesterton & Friedrich Nietzsche
A primeira coisa que devemos deixar claro é a definição do
que é a Imaginação. Pois nos
debruçaremos nela para poder contrapor e também definir a douta da louca
imaginação e a partir destas, situar G. K. Chesterton
e Friedrich Nietzsche em seus devidos
lugares. Finalizo indicando a que fim conduz cada uma
destas formas de imaginação.
Sendo assim vamos às definições:
Imaginação é: o ato ou efeito de imaginar, isto é,
o ato de criar mentalmente coisas, mundos, imagens, criaturas, estórias. É a
capacidade de fantasiar, de criar mundos fantásticos. Imaginação não é somente
o ato de criar realidades mentais, coisas, novas realidades. É a
faculdade de reproduzir imagens mentais para fins analíticos, meditativos,
reflexivos, criativos, inventivos entre outros. Ou seja, a imaginação é a
faculdade que o ser humano possui para prever situações, para pré-sentir sensações,
para relembrar situações do passado ou antecipar, presumir, uma possível
aventura do futuro, supor situações.
O Homem é a única criatura que possui a capacidade de uma
imaginação reflexiva. Por meio dela podemos vislumbrar histórias que
nos são contadas ou que lemos. Quando nos aventuramos nos livros de
histórias, principalmente as fantásticas, nós colocamos para funcionar de forma
“plena” nossa imaginação. Nós fantasiamos! Sentimos a adrenalina das histórias
de aventuras por meio da imaginação. Sentimos as tristezas das personagens também
por meio da imaginação. Sentimos prazeres com histórias eróticas por causa da
imaginação. Alegrias, consolos, pesadelos, nostalgias, curiosidade, saudades,
sustos, medos, entre outras sensações ou sentimentos, tudo isso é gerado em nós
por meio da imaginação. Por isso acredito que nos seja de extrema necessidade
aprendermos a usar essa faculdade de forma realmente harmônica para com a nossa
vida e que possa gerar também benefícios para vida em sua totalidade, isto é, a
nossa própria vida que se relaciona com a vida de outros, e ambas se relacionam
com a vida do mundo.
Mas vale a pena ressaltar uma importante restrição: o mundo
da imaginação é também um lugar perigoso para se caminhar quando nossa razão
não está funcionando bem. Se por qualquer patologia psicológica, qualquer
desequilíbrio psicossomático, disfunção cognitiva ou racionalismo exacerbado, o
indivíduo usar de mais e de forma errada sua imaginação, a consequência será
desastrosa. Por isso alerto que com a mesma facilidade que a imaginação pode
nos proporcionar certos prazeres e consolos, ela também pode nos prender numa
realidade totalmente diferente da qual estamos inseridos. Ela, por sua
vez, irá levar o indivíduo a um labirinto que dificilmente ele sairá. A partir deste
conceito, podemos definir dois tipos de imaginação: a Douta Imaginação e a Louca
Imaginação.
Por Douta Imaginação estende-se aquela imaginação que produz
na pessoa os mais perfeitos benefícios mentais, físicos e espirituais. Ora, a
Douta Imaginação não é pura imaginação, é ato criador, é o indivíduo que é capaz
de criar uma sequência de imagens que o capacita viver melhor no mundo físico.
Não se trata de trazer o irreal para real, mas se trata de, por meio da
imaginação, expressar de forma fantástica verdades referentes ao próprio homem,
ao mundo, a sociedade, religião, seja lá o que for. O homem dotado de Douta
imaginação é capaz de ir à lua, vivenciar a gravidade, retornar ao planeta
Terra e contar sua experiência sem necessidade de sair de seu quarto, porque
não imaginou simplesmente, ele de fato sentiu, viveu a experiência, porque
acreditou. É a Douta Imaginação que capacita o homem a ter uma abertura ao
inimaginável, ao Sagrado, ao numinoso que ao atingir sua mente, seus sentidos,
o fascina e o atrai. A imaginação por si só é capaz de gerar bons sentimentos
como também maus sentimentos, mas a Douta Imaginação causa no homem sentimentos
transformadores, isto é, leva o homem a uma mudança de postura de vida,
atitudes, pensamentos, direção, um sentimento tão real e vivo que é capaz de arrancar
lágrimas verdadeiramente libertadoras. É a Douta imaginação que permite o homem
a crescer na fé, por exemplo. Os maiores especialistas neste modo de imaginar
são aqueles entregues a meditação e a contemplação. Os antigos Filósofos como
Sócrates, Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino, C. S.
Lewis, J. R. R. Tolkien, Adouls Huxley como
também todos os Santos e Místicos da Igreja Católica, são doutos imaginadores, isto é, todos eles
souberam ir além do simples ato de crer ou especular, do filosofar ou meditar,
eles realmente visualizavam em sua mente aquilo que criam e não só visualizavam
como sentiam que era real e sua vida testemunhava tais experiencias, eles
contemplavam as maravilhas últimas, ainda que faltavam-lhe palavras para se
expressarem.
Como havia já dito na definição acima, a imaginação não é
somente o ato de criar imagens ou estórias, contos ou fábulas, mas também o ato
de antecipar certas realidades que ainda estão por vir. Por exemplo, quando a
uma criança se promete um dia inteiro num parque de diversões no seu dia de
aniversário, certamente esta criança irá imaginar todo o seu dia e
verdadeiramente sentirá, de forma antecipada, a alegria de vivenciar aquele
dia. O mesmo e de forma perene ocorre com a Douta Imaginação.
Devo deixar claro que não se trata de uma simples
imaginação, como viver numa fantasia simplesmente, mas se trata de usar uma
faculdade própria do ser humano para auxiliar a tão singular “razão humana”.
Ora G. K. Chesterton é um notável exemplo de um homem sábio e meditativo que
soube junto com a razão se beneficiar com a Douta Imaginação. Seus escritos
conduzem o leitor justamente para esta forma de ver o mundo. Esta forma de
imaginação era o perene ato que fez de Chesterton tão notável e temido Filósofo
do séc. XX. Ao contrário de inúmeros ideólogos e filodoxos da modernidade e
contemporaneidade, que dão total ênfase aos prazeres ou a razão (o dito
racionalismo), Gilbert Keith Chesterton soube integrar a razão com a
imaginação. O ato da Douta Imaginação pretende apenas meter a cabeça do homem
no Absoluto. Enquanto que o lógico-racionalista, o amante da opinião, o louco
imaginador ou o escravo das vontades, tenta colocar o Absoluto na cabeça. Isso
certamente fará a cabeça deste indivíduo explodir[1].
A Douta imaginação ocorre quando o indivíduo demonstra certa insatisfação para com o mundo em que
está inserido, o que o leva a criar ou refugiar-se num mundo imaginário que
nada mais é do que um instrumento de
re-organização da própria razão, sentimentos, relações, projetos e escolhas.
Não se trata de uma fuga do mundo real, mas de um “lugar” para o indivíduo
recuperar as forças para a aventura do mundo real. É como um oasis no deserto.
A maior expressão de uma autêntica, verificável e correta
Douta Imaginação encontra-se no mundo fantástico, ou seja, esta imaginação se
dá de fato no País das fadas[2].
A pedagogia contida nos contos de fadas tem muito a ensinar o homem em seu
processo de conhecimento da verdade, de si mesmo, do outro e do mundo. G. K.
Chesterton em sua maior obra literária, intitulada Ortodoxia[3],
nos diz que:
“Os antigos contos de fadas têm como
herói um ser humano normal: suas aventuras é que são impressionantes e
impressionam-nos exatamente porque tratam de um ser normal. Mas, no moderno
romance psicológico, o herói é anormal: o centro não é central. Nessas condições,
as mais terríveis aventuras deixam de afetá0lo devidamente, e o livro torna-se
monótono. Pode-se escrever uma história de um herói entre dragões, mas não uma
história de um dragão entre dragões. O conto de fadas aborda aquilo que um
homem ‘são’ fará em um mundo louco: o romance realista, com toda a sua
sobriedade, mostra-nos o que um indivíduo essencialmente lunático fará em um
mundo estúpido”[4]
Mas sobre a pedagogia e a ética do Reino Encantado, dos
contos de fadas, trataremos mais adiante, convém agora esclarecer o contraposto
da Douta Imaginação, a Louca Imaginação.
Por Louca Imaginação deve-se compreender aqui um modo insano
de se imaginar. Ora, o indivíduo que possui esta forma de imaginação não pode
ser confundido como um louco, mas deve ser visto como alguém que caminha para
loucura, para a insanidade. É justamente a Louca imaginação que acarreta no
aprisionamento da pessoa no labirinto sem saída. Labirinto criado pela própria
mente da pessoa. A loucura, a insanidade, é apenas o efeito de uma louca
imaginação. É uma relação de causa e efeito. A Louca imaginação pode causar nas
pessoas inúmeras patologias, escravizá-las no pecado, depressão, surtos
psicóticos, demência, síndrome de perseguição, duplipensar, paralaxe cognitiva,
entre muitas outras loucuras.
Geralmente são os ideólogos ou filodoxos que terminam na
insanidade, devido esta forma de imaginar o mundo. A principal causa da louca
imaginação é a negação do mundo em que vive, e a criação de um mundo na qual
este indivíduo resolve refugiar-se. Note que há uma tênue proximidade entre a
Douta Imaginação e a Louca Imaginação quanto ao problema do mundo, mas a
diferença, e se trata de uma diferença que muda todo o efeito do modo de
imaginar, está no fato de que enquanto a Douta imaginação parte de uma
insatisfação para com o mundo em sua volta, a Louca Imaginação é a negação
total desta realidade. Esta negação leva o indivíduo a criar uma realidade que
certamente culminará em duas situações desastrosas: ou o indivíduo terminará
internado num hospício, imerso em sua própria loucura ou certamente se tornará o
pai de alguma ideologia. Esta segunda situação não exclui a primeira, mas
geralmente a antecede. É o caso de Friedrich Nietzsche, pai do niilismo.
Bastando citar que este mesmo ideólogo ou filodoxo (para alguns: filósofo)
terminou sua vida imerso na loucura.
Nietzsche é um grande exemplo de uma pessoa que acabou
atormentado e perdido em sua própria realidade imaginária. Mas não porque a
imaginação seja a causa de tudo isso, mas causa de sua visão errônea do mundo, das
pessoas ao seu redor, da realidade em si mesma. Lembre-se de que o louco
imaginador é aquele que nega a própria realidade e se esconde em sua própria ou
tenta transformar a realidade negada em sua própria realidade imaginada, tal
como os grandes ideólogos ou fascistas e ditadores, tais como Karl Marx,
Hitler, Mussolini, Stalin, Lênin, Fidel Castro entre outros. Mas entre muitos pensadores
loucos, o que mais representa o indivíduo que aderiu a louca imaginação é
Friedrich Nietzsche.
Muitos pensadores que se alimentam da louca imaginação não
acabam, por via das regras internado num hospício. Ora, somente os loucos
patéticos terminam no hospício. Pois sua loucura não produziu nada além de uma
desordem subjetiva. Mas são os loucos ideólogos soltos pelo mundo que tornaram
louco também o próprio mundo. Pois diferente dos loucos patéticos, os loucos
ideólogos acabaram por desenvolver uma certa realidade imaginária um tanto
convincente e atraente, não por ser lógica ou bela, mas porque é justamente
louca e diferente, justamente porque causa espanto e fascínio. Uma loucura
aparentemente organizada que atinge os prazeres das pessoas ou que a inspire
“liberdade” sempre atrairá um grande número de adeptos. Não são os loucos que
aderem tais loucuras ideológicas, mas as pessoas comuns, que não avançando para
Douta imaginação, permanecendo somente na imaginação por si só, aceitam de
prontidão a loucura messiânica da Louca Imaginação.
Todos os loucos imaginadores são na verdade medrosos. Temem
o mundo real, fogem dele, não enfrentam a realidade. Preferem a negação desta,
escolhem a fuga do que a luta. Vejamos por exemplo o famoso niilismo de
Nietzsche. O Niilista é a pessoa que conscientemente negou os preceitos morais
tradicionais, mais especificamente cristãos, e passou a agir segundo suas próprias
vontades e instintos, isso para poder causar o fim de toda a moralidade, por
isso Nietzsche decreta a morte de Deus, não que ele esteja negando a crença em
Deus mesmo, mas negando a moralidade e os preceitos éticos judaico-cristãos.
Claro que como cristão podemos afirmar que Nietzsche negou Deus decretando a
sua morte, pois cremos que o Deus cristão seja o único Deus criador de todas as
coisas visíveis e invisíveis, mas o que Nietzsche certamente queria era
desconstruir os valores fundamentais do cristianismo que impedia o surgimento
de uma comunidade de homens livres e senhores de si mesmo. Por isso Nietzsche
propunha a criação subjetiva de novos valores, nova ética, sem a necessidade de
um Deus metafísico como referencia de atitudes a serem tomadas. É dessa nova
comunidade de homens livres que nasceria o Super-Homem[5],
isto é, o homem que consegue ultrapassar a si mesmo. É o homem que superou a
opressão da moral do cristianismo, que possui uma nova percepção de
ser e de agir, que julga por si mesmo e a partir de si mesmo o mundo.
Em sua obra a Gaia Ciência, Nietzsche afirma:
“O insensato. – Nunca ouviram falar de
um louco que em pleno dia acendeu sua lanterna e pôs-se a correr na praça
pública gritando sem cessar: – Procuro Deus! Procuro Deus! Como lá se
encontravam muitos que não acreditam em Deus, seu grito provocou uma grande
hilariedade. – Ter-se-á perdido? perguntou um. – Ter-se-á perdido como criança?
– perguntou outro. Ou estará escondido? Terá medo de nós? Terá partido? – assim
gritavam e riam todos ao mesmo tempo. O louco saltou em meio a eles e
trespassou-os com seu olhar. – Para onde Deus foi? – bradou. – Vou lhes dizer!
Nós o matamos, vós e eu! Nós todos, nós somos seus assassinos! Mas como fizemos
isso? Como pudemos esvaziar o mar? Quem nos deu a esponja para apagar o
horizonte? Que fizemos quando desprendemos a corrente que ligava esta terra ao
sol? Para onde vai agora? Para onde vamos nós? Longe de todos os sóis? Não
estaremos caindo incessantemente? Para a frente, para trás, para o lado, para
todos os lados? Haverá ainda um acima, um abaixo? Não erramos como através de
um nada infinito? Não sentiremos na face o sopro do vazio? Não fará mais frio?
Não surgem noites, cada vez mais noites? Não será preciso acender as lanternas
pela manhã? Não escutamos ainda o ruído dos coveiros que enterram Deus? Não
sentimos nada da decomposição divina? Os deuses também se decompõem! Deus
morreu! Deus continua morto! E nós o matamos!! Como nos consolaremos, nós, os
assassinos dos assassinos? O que o mundo possui de mais sagrado e possante
perdeu seu sangue sob nossa faca. O que nos limpará deste sangue? Com qual água
nos purificaremos? Que expiações, que jogos sagrados teremos que inventar? A
grandeza desse ato não é muito grande para nós? Não seremos forçados a
tornarmo-nos deuses para parecermos, pelo menos, dignos de deuses? Jamais houve
ação tão grandiosa e aqueles que poderão nascer depois de nós, pertencerão por
esta ação a uma história mais alta que o foi até aqui qualquer história – O insensato
calou após pronunciar estas palavras e voltou o olhar para seus ouvintes;
também eles se calavam como ele e o fitavam com espanto. Atirou, finalmente, a
lanterna ao chão de tal modo que se espatifou, apagando-se. – Chego muito cedo
– disse então, – meu tempo não é chegado. Este evento enorme está a caminho,
aproxima-se e não chegou ainda aos ouvidos dos homens. É preciso tempo para o
relâmpago e o raio, é preciso tempo para a luz dos astros, é preciso tempo para
as ações, mesmo quando foram efetuadas, serem vistas e entendidas. Esta ação
está ainda mais longe deles que o astro mais distante e todavia foram eles que
o cometeram! Conta-se ainda que esse louco penetrou nesse mesmo dia em
diferentes igrejas e entoou seu Requiem aeternam Deo. Expulso e interrogado não
cessou de responder a mesma coisa: ‘De que servem estas igrejas se são tumbas e
monumentos de Deus?”[6].
Veja
que em determinado momento o personagem de Nietzsche declara:
“Chego muito cedo – disse então, – meu tempo não é chegado. Este evento
enorme está a caminho, aproxima-se e não chegou ainda aos ouvidos dos homens. É
preciso tempo para o relâmpago e o raio, é preciso tempo para a luz dos astros,
é preciso tempo para as ações, mesmo quando foram efetuadas, serem vistas e
entendidas”.[7]
Ora quem é este que chegou cedo de mais? Este é o próprio
Nietzsche. Este personagem é uma metáfora dele mesmo. Enquanto que as outras
personagens representam os cristãos, rendidos em sua moralidade, que velam o
corpo de Deus nas igrejas e, as pessoas da praça pública, são os niilistas que
ainda não perceberam que deveriam dar a luz ao Super-Homem e não apenas
desconstruir os tradicionais valores.
Ora, Nietzsche, como explicado à cima, é o melhor exemplo de
alguém imerso em sua própria imaginação. Um medroso, incapaz de enfrentar a
realidade tal como ela é. Nietzsche é o típico homem desencantado com o mundo,
que perdeu o encanto da vida, que não soube mais olhar o mundo com esperança, e
isso é a causa de uma louca imaginação, uma imaginação que não cria, mas
lamenta, e degenera em imagens desastrosas, metafóricas somente e malignas. Mas
não devemos descartar Nietzsche, pois de fato este é uma vida importante para
nossa reflexão, pois este expressa, de alguma forma, a loucura do homem
contemporâneo.
G. K. Chesterton
seguramente afirma sobre Nietzsche:
“Nietzsche, para alguns, é um ousado e forte pensador. Não
se pode negar que tenha sido um pensador poético e sugestivo, mas era
exatamente o oposto de forte. De forma alguma se pode dizer que ele tenha sido
ousado. Nunca se atreveu a pôr na sua frente, em palavras nuas e cruas, a sua
maneira de pensar, como fizeram Aristóteles, Calvino e, até, Karl Marx, os
intensos e intrépidos homens de pensamentos. Nietzsche sempre procurava
desviar-se de questões por meio de metáforas físicas, como um alegre poeta
menor. Ele dizia “além do bem e do mal” ou “pior do que o bem e o mal”. Se ele
tivesse externado, sem qualquer metáfora, a sua maneira de pensar, teria visto
que se tratava de uma tolice. Assim, quando descreve o seu herói, não se atreve
a dizer “o homem mais puro” ou “o homem mais feliz” ou “o homem mais triste”,
porque todas essas afirmações são ideias, e as ideias são alarmantes. Ele diz
“o homem mais elevado” ou “super-homem”, metáforas de natureza física,
atribuídas a acrobatas ou alpinistas. Nietzsche é, na verdade, um pensador
muito tímido. Ele de fato, não sabe nem ao menos que tipo de homem deseja ver
produzido pela evolução”[8].
Diferentemente de uma
louca imaginação que se utiliza de inúmeras metáforas e imagens mentais
confusas que aprisionam o homem numa irrealidade, a Douta Imaginação e por
consequência os contos de fadas não expressam verdades por meio de metáforas,
mas apenas fantasia a própria verdade, cujo fim último não é a fuga do mundo,
mas o antegozo de realidades vindouras. Nos contos fantásticos o homem é imerso
numa realidade totalmente singular, pode em meio à confusão ser ele mesmo. Os
contos de fadas, as histórias fantásticas servem para ilustrar como uma pessoa
comum consegue se virar no meio de enormes gigantes selvagens. E como esta mesma
pessoa comum conseguiu restabelecer a ordem através da esperança, da amizade,
da perseverança no bem, e do exemplo de uma autêntica postura moral e
respeitosa para com a vida como um todo. Pois o herói dos contos sempre é
referência de boa conduta, que se doou pela vida de outrem, respeitando a
natureza, os animais, o povoado, o reinado, a princesa, os reis, o plebeu, etc.
Não se trata de uma imaginação metafórica que esconde sua frustração ou medo
para com o mundo, mas uma história imaginada que ilustra o desejo do homem de
ver seu mundo bem. Nos contos de fadas é a esperança que é plantada no coração
das pessoas, pois sempre o bem acaba vencendo o mal. E se há alguma metáfora,
esta se encontra no maravilhamento que o Reino Encantado gera no homem, tal
maravilhamento que faz o homem novamente ter forças para amar e se aventurar no
mundo real. Maravilhamento este que toda criança possui quando olha para o
mundo ao seu redor. Maravilhamento este que os loucos perderam de vistas.
Vale apena citar o
que G. K. Chesterton nos ensina sobre os contos de fadas:
“O que me
interessa agora é aquela ética e filosofia que nasceu dos velhos contos de
fadas. Se me propusesse a descrevê-la pormenorizadamente, poderia apontar os
muitos e nobres princípios contidos em tais contos. Temos a lição de
cavalheirismo que nos é dada por Jack, o
Matador de Gigantes: os gigantes devem ser mostos porque são gigantescos. É
uma revolta humana contra o orgulho considerado como tal. Pois os rebeldes são
mais velhos do que todos os reinos, e o Jacobino tem mais tradição de que o
Jacobita. Temos a lição da Cinderela,
que é a mesma do Magníficat: exultavit
humiles. (exaltou os humildes (Lc 1, 52). Há a grande lição contida em A Bela e a Fera: uma coisa deve ser
amada antes que seja digna de amor. Há a terrível alegoria da Bela Adormecida, que nos mostra como uma
criança foi presenteada com todas as dádivas ao nascer, apesar de amaldiçoada
com a morte, e como a morte também pode, talvez ser suavizada pelo sono. Não me
interessa, porém, nenhum dos estatutps da Terra dos Elfos isoladamente,;
interessa-me, apenas, o espírito da totalidade da sua lei, o qual aprendi ante
mesmo de saber falar e que ainda hei de conservar quando não puder mais escrever.
Interessa-me determinada maneira de encarar a vida, maneira essa que aprendi
nos contos de fadas e que, desde então, foi serenamente corroborada pelos fatos
mais simples”[9].
Nietzsche acreditava que
a ética encontrava-se no instinto humano mais essencial, isto é, na vontade de
poder. Poder aqui não significa "ser poderoso", mas em ter liberdade para livremente
agir, julgar, pensar, fazer o que bem entender segundo as suas próprias
convicções, Poder aqui significa domínio sobre todas as coisas. Por isso a moral
cristã para Nietzsche era uma moral que escravizava, pois esta prendia a
sociedade, as pessoas, dentro de um conjunto de normas universais de ética
decadente. Por isso Nietzsche loucamente propôs uma nova forma de se fazer
ética, a ética do Super-Homem, isto é, indivíduos poderosos que transcendem as
normas comuns e senhores de suas próprias normas de vida. Ora, não é de se
estranhar que seu pensamento muito influenciou Hitler e o Nazismo, como também
Benito Mussolini e o Fascismo, pois essa vontade de poder serviu de base para
ambos declararem guerra ao sistema moral, governamental e social de sua época.
Ainda que isso jamais tenha sido de fato da vontade de Nietzsche, mas apenas
consequências uma louca imaginação.
G. K. Chesterton discordando
desta filosofia da vontade proposta por Nietzsche diz:
“Houve uma escola
de pensadores que observou esse fato e resolveu aproveitá-lo como meio de
restauração da saúde pagã do mundo. Vêem, perfeitamente, que a razão destrói –
dizem eles – mas a vontade cria. A última autoridade – dizem ainda – reside na
vontade e não na razão. A questão principal não está no fato de saber-se por
que motivo o homem procura algo, mas sim no fato de ele procurá-la. Falta-me
espaço para esboçar ou expor aqui esta filosofia da Vontade. Acho que tal
teoria chegou a nós por intermédio de Nietzsche, que pregou algo a que se dá o
nome de egoísmo. Mas isso não passa de ingenuidade, pois Nietzsche já negou o
egoísmo pela simples razão de pregá-la. Pregar uma coisa é divulgá-la; e o
egoísta, que considera a vida uma guerra sem tréguas, emprega o melhor dos seus
esforços para incitar os seus inimigos nessa guerra. Pregar o egoísmo é
praticar o altruísmo. Mas seja qual for a sua origem, este ponto de vista já é
comum na literatura moderna. A principal defesa de tais pensadores é que eles
não são pensadores: são executores. Eles dizem que a escolha é em si, uma coisa
divina. Bernard Shaw[10]
atacou a velha ideia de que os atos do homem devem ser aferidos pelo padrão do
desejo de felicidade; ele diz que o homem não age para sua felicidade, mas com
a sua vontade [...] A pura glorificação do ato volitivo acaba no mesmo
aniquilamento e no mesmo vácuo que a mera busca da lógica. Exatamente como o
livre pensamento absoluto envolve a dúvida do próprio pensamento, também a
aceitação do simples “querer” paralisa, realmente, a vontade [...] A diferença
real entre o teste da felicidade e o teste da vontade é, simplesmente, que o
primeiro é, de fato, um teste, ao passo que o outro não é [...] O culto da
vontade é a negação da vontade. Admirar a simples escolha é recusar-se a
escolher. [...] não podemos admirar a vontade em seu sentido geral, porque, na
sua essência ela é particular”[11].
Os frutos do pensamento
Nietzschieniano acabaram por mostrar quão prejudicial é a louca imaginação.
Vejamos: Nazismo (Hitler), Fascismo (Mussolini), ateísmo radical e
neo-ateísmo. Agora por outro lado, os
frutos do pensamento de G. K. Chesterton foram positivos e sublimes. C.S. Lewis
(Crônicas de Nárnia), J. R. R. Tolkien (Hobbits e o Senhor dos Anéis), pensadores
de seu próprio tempo. Ambos influentes em seu meio, ambos trouxeram esperança para
aqueles que tiveram contato com suas obras, ambos influenciados pela alegria
dos escritos de Chesterton.
Enfim, a Douta
Imaginação nos conduz a maravilhamento do Mundo, nos abre ao inimaginável e nos
prepara para um mundo diferente. Chesterton é sem dúvida um representante desta Douta
imaginação. Ives Gandra da Silva Martins Filho bem define sua obra como: “um canto de Alegria, com três virtudes
fundamentais para todo o caminho da vida: conhecer as próprias limitações
(humildade) e as próprias potencialidades (fortaleza), e saber dar graças por
umas e por outras, captando o sentido sempre positivo da própria existência
(alegria)”[12].
A louca imaginação, por
sua vez, apenas nos conduz a insanidade, a loucura e gera sem sombra de dúvidas
os mais terríveis desastres na vida da pessoa. Seja pela infelicidade de
simples familiares que precisarão internar seu parente no hospício ou pela
terrível influencia de ideologias totalitaristas, pois essa é a essência de uma
ideologia, ser única e hegemonista. Nietzsche de fato é um pensador de
destaque, mas optou pela louca imaginação, preferiu o egoísmo terminando na
insanidade e sua obra ao contrário da obra de Chesterton que nos conduz a
Alegria, nos conduz a loucura.
“Se
Nietzsche não tivesse acabado na imbecilidade, o nitzschianismo é que teria tido
tal fim. Pensar isoladamente e com orgulho acaba na idiotia. Todo homem que não
sofrer de enfraquecimento de coração acabará por sofrer de enfraquecimento do
cérebro”[13].
Por Bruno Otenio
[1]
Paráfrase do texto original de G. K. Chesterton de seu Livro Ortodoxia: “O poeta pretende apenas meter a cabeça no
Céu, enquanto o lógico se esforça por meter o Céu na cabeça. E é a cabeça que
acaba por estourar”. CHESTERTON, G.
K. Ortodoxia. Campinas, SP:
Ecclesiae, 2013. p. 37.
[2]
Fada aqui não significa criaturinhas minúsculas, mas está relacionado especificamente
ao Conto Encantado, conto do mundo fantástico.
[3]
Livro onde Chesterton demonstra e defende sua Filosofia de vida.
[4]
CHESTERTON, G. K. Ortodoxia.
Campinas, SP: Ecclesiae, 2013. p. 35.
[5] Mais corretamente: Supra-Homem ou
ÜBERMENSCH em alemão.
[6] Friedrich Nietzsche – A Gaia
Ciência – Aforismo 125.
[7] Ibidem, idem.
[10] Adepto do pensamento Niilista.
[12] Ibidem. p. 24.
[13] Ibidem. p. 70.
Muito bom.
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